Estuário

Tua sensibilidade 
me abraçou

como um rio

abraça o mar

formando um encontro

de sorrisos 

num estuário de amar. 

Tua sensibilidade

me abraçou

como abraça o vento

um guará

num voo livre

a admirar o mundo

e sempre tendo

pra onde voltar.

Tua sensibilidade

me abraçou

como a aurora

abraça o amanhecer

trazendo a paz

do despertar

de sonhar contigo

e poder viver.

Marília

Nome que começa com mar

só poderia ser imensidão 
e inúmeras são as tuas grandezas
teus encantos 
tuas belezas
nome que começa com mar 
e tem significado de amor 
como uma noite de lua cheia 
que o meu peito inundou 
como um fim de tarde
o pôr-do-sol
que a gente compartilhou
como o teu abraço 
que num enlace
me abrigou
nome que começa com mar 
e termina com "ilha"
que me lembra todo dia
a maravilha
que é te amar.

Amarelo

É a cor do dia que nasce

presente nas folhas 
do girassol
quando o inverno chega ao fim
ele enfeita os ipês
faz parte das cores do pôr-do-sol,
teus nomes são cravo
crisântemo
rosa
e jasmin

é a luz que brilha nos meus olhos 
quando eu penso em ti. 
É a cor do dia nascente 
e o dia já começa a brilhar 
é a cor da luz reluzente 
que graças a ti 
eu passei a admirar. 

Paz

Como traduzir a paz? 
para outros idiomas
seria até mais fácil

mas traduzir o sentimento

é tarefa para poetas.

Então, como explicá-la? 

tranquilidade; 

acordo; 

concórdia; 

e calmaria 

assim está no dicionário 

mas para a poesia ela tem sentidos vários. 

É o nascer do sol 

que eu acompanho ao teu lado 

é a tua mão que segura a minha 

enquanto pela calçada 

(ou pela rua) 

a gente caminha 

é acordar abrir os olhos 

e poder te abraçar

é contigo dividir 

o café 

o pão 

o plano de ação 

é a intimidade 

do olhar 

do toque 

do calar 

é poder te ouvir 

com ouvidos e coração. 

Como traduzir a paz? 

Talvez não saberia 

mas desde o dia que eu te vi 

pela primeira vez sorrir 

me sinto envolto em calmaria.

Amor

Aquelas quatros letras

fazem toda a diferença
quando me chama por elas 
o vocativo
me convoca 
a tua boca 
me provoca 
e se eu não tenho o teu abraço
a saudade sufoca...

Mas as quatro letras
fazem toda a diferença
porque mesmo que não te veja
eu sinto a tua presença 
mesmo quando a boca não beija 
não há ausência 
porque aquelas quatro letras
fazem toda a diferença...

a primeirA tem um som bonito 
a segunda é onde coMeça o teu nome 
a terceira é meninO
a quarta é onde termina a floR

Mas que quatro letras serão essas? 

Lágrima de poeta

Lágrima de poeta 
vira verso
assim como teu beijo 
que é poesia 

lágrima de poeta
não fica impune 
assim como teu beijo 
que nem o passar do tempo
(a ele)
torna-me imune

lágrima de poeta

é fonte que não para de jorrar

mesmo com o passar

dos anos

lágrima de poeta

transborda

derrama

e enche um oceano.

Quando eu te beijo

Quando eu te beijo
eu sinto vontade de tudo

vontade de morar no teu colo

descansar no teu peito

fazer ninho

me sinto refeito.

Quando eu te beijo

eu sinto vontade de tudo

vontade de que o tempo não passe

de permanecer no enlace

que o teu carinho

me causou,

Quando eu te beijo

eu sinto vontade de tudo

vontade de te abraçar

te morder

te arranhar

Quando eu te beijo

eu sinto vontade de tudo

menos de parar.

A tarde cinza e lenta

A tarde cinza passa
cinza e lenta
mas linda 
como uma sinfonia,
na beira do lago
os patos balançam o rabo
enquanto uma senhora simpática 
os alimenta com alface,
as pessoas caminham
mais apressadas que o tempo
outra senhora, com menos pressa
bebe sua latinha de cerveja sentada 
num banco verde desbotado
como uma memória de uma saudade,
os artistas no parque se re-conhecem
conversam como amigos de longa data
lamentam a desvalorização da cultura
não é culpa do povo, é falta de política pública...
Os jovens namorados passeiam de mãos dadas
dois homens que se amam
e que de beijo em beijo, de sorriso em sorriso
nem notam o passar da tarde.
A música clássica no fone de ouvido
dá contornos de dramaticidade
a tarde é cinza e lenta 
mas o poeta começa a pintá-la
com as cores da saudade.

Museu da República, Catete, RJ.

Leve

Você me disse não acreditar
em coincidências ou acasos
e que as coisas acontecem 
da melhor forma
como deveriam acontecer

os caminhos que se cruzam

os destinos que mudam

dedos cruzados

é a vida 

torcendo

por eu e você

sabemos o que Quintana pensa

e não necessariamente concordamos

mas também não descartamos 

o que os acasos podem ser

e melhor do que concordar com ele

certamente é concordar com você

se Deus ao mar o perigo e o abismo deu

foi nele em que espelhou o céu

desde quando você surgiu

eu desejei espelhar

o seu sorriso

no meu

e espalhar

a sensação de bem estar

que com tua chegada

apareceu

se a vida nos reserva surpresas

não devemos temê-las 

e sim aproveitá-las

lembrando sempre

que não há hora certa para ser feliz

e que os melhores encontros não possuem hora marcada

você me confidenciou seu número da sorte

que nem por acaso muito menos coincidência 

também era o número do dia em que eu nascia

o dia em que nossos caminhos se cruzaram

e que até a lua sorria

o dia que até no dia seguinte continuou 

que com um duplo arco-íris começou

e que terminou em poesia. 

Gengibre com hortelã

Saudade tem gosto 
gosto de beijo

de gengibre com hortelã

gostoso como um brigadeiro

de cachaça

como um abraço

pela manhã

quando a gente nem bem acordou

gostoso como o tempero 

que o teu amor deixou.

Saudade tem cheiro

cheiro dos teus cabelos

da tua juba felina

charme de leonina

que mexe com os meus sentidos

tem o cheiro do teu corpo

que em mim ficou

e me causa arrepio.

Saudade tem nome

sobrenome

tatuagem...

saudade tem gosto

tem cheiro

ah, que saudade!

O que cola é a poesia

Há sorrisos que são terra fértil
germinam 
florescem 
alimentam
num ciclo perfeito 
como o que separa a alvorada
do entardecer.

Há sorrisos que atravessam  
o país
a tela
a janela 
a parede 
que trinca
como o coração
dos que sonham
com o amor distante.

Há sorrisos que me lembram
por que é tão bom sorrir 
independente do tempo 
estação 
hora 
dia 
e quando a vida tenta desmontar o meu sorriso
eu lembro daquele inesquecível que dizia:

"o que cola é a poesia".

Obituário

Se Ferreira Gullar estivesse vivo
no dia dezenove de janeiro 
de dois mil e vinte e dois 
ele ficaria puto da vida
ao se deparar com a trágica notícia
de que morreu em Paris 
o fotógrafo René Robert,
causa mortis:
indiferença
e hipotermia.

Na Cidade Luz 
em plena luz
do dia

sob a escuridão

das retinas...

 
Na Cidade Luz 
onde há escuridão
e hipocrisia 
o corpo jazeu nove horas 
ininterruptas.

Liberdade
Igualdade
Fraternidade?

Foda-se a revolução,
é chegada a sua hora!

Aos oitenta e cinco anos de idade
morreu o fotógrafo René Robert
próximo a central Place de la République
onde ao cair da tarde
o sol se esconde de vergonha 
e em Friburgo, na Suíça
a dançarina flamenca 
faz o poeta chorar de saudade.

Cantando como Ferreira Gullar

Você é mais bonita 
que a flor do maracujá 
mais cheirosa 
que um ramo
de manjericão
é mais charmosa 
que o nascer do sol 
na Baía de Ha Long
Você é mais bonita 
que a Basílica
de Nazaré 
que o mar azul
das Alagoas
que uma roda de Tambor de Crioula
pintada num azulejo
Você é mais bonita que Mateus Aleluia
cantando Bem-te-vi
mais bonita que a Ilha de Itaparica
que a roda de samba 
no Bar do Peixe
mais bonita que o peixe-mandarim
que o poste fluorescente
ao cair da tarde

Olha 
você é tão bonita 
quanto o Largo de Santo Antônio
em junho
e quase tão bonita 
quanto o fim da ditadura militar.

Fomos poesia

Um dia te mostrei

os meus versos

e tu disseste que os leria

ao som de Chico

(perguntei se era o César

tu respondeste: é o Buarque)

falamos também de Manoel de Barros

e Mário Quintana

concordamos que nossa memória

é um museu aberto à visitação

e tu lembraste de algo que atravessara tua história...

Confissão!

"Acho-me relativamente feliz

Porque nada de exterior me acontece...

Mas,

Em mim, na minha alma,

Pressinto que vou ter um terremoto!"

A saudade costuma deixar terra arrasada

mas cada pequena lembrança

dormirá feito semente 

e sempre haverá um dia

em que ela germinará 

e eu lembrarei com carinho da gente

do futuro que nos teus olhos eu via

e de quando compartilhamos

vivemos

e fomos

poesia!

Até a lua nova sorria

É fascinante o brilho
que existe no teu falar
que elegantemente sorri 
enquanto me contas
as tuas memórias,
a tua história
que adoro ouvir.
E instigante 
é o brilho 
que existe no teu olhar
um mar castanho claro 
paisagem espelhada em meus olhos
onde eu sinto vontade de mergulhar...
Se antes a página em branco
um dia chegou a me assustar 
acaso agora tome um susto 
sinto-me como Ferreira Gullar, 
que ao espantar-se 
chamou aquilo de poesia,
imagina se ele tivesse o privilégio
de te ouvir como eu te ouvia
na mesa do bar
sob a luz do luar
e lá fora
até a lua nova 
sorria.

Paralelos

Alguns quilômetros nos separam
ao mesmo tempo
que apenas um centímetro
nos difere 
se por acaso

você sorrisse para mim

leãozinho

o pôr-do-sol seria de todas as cores:

azul vermelho laranja e amarelo

nossos sorrisos 

no horizonte

se encontrariam 

e seriam como o mar

ao espelhar o céu...

Paralelos. 

A poesia não adormece (continuação)

 A poesia não adormece
e o tempo se recusa

a envelhecer

então a poesia segue

acordada 

mesmo quando nada diz

e o tempo distraído 

nem percebe

que a poesia está sempre

por um triz.

O tempo não envelhece

O tempo não envelhece 
e a poesia não dorme

então o tempo passa:

alvorada, 

pôr-do-sol,

anoitecer

e a poesia

acordada

continua 

a acontecer.

Camuflada entre rosas

 A tarde verde azul
testemunhou 
o dia
em que tu
numa paleta 
vermelha
entre rosas
se camuflou.

O dia
foi quase tão bonito
quanto o sorriso
que do teu rosto
desabrochou.

Poema sobre o nada ou Tinha um prédio no meio do caminho

O prédio atrapalha a minha visão
a vontade de querer enxergar o mundo de azul
de assistir às cinco e quarenta e cinco da manhã
o pôr-do-sol ao contrário
cinza alaranjado rosa amarelo 
em contraste à feia arquitetura
que transforma pedra sem vida
em colunas cimentadas que atrapalham a minha vista.

Eu quero enxergar
bisbilhotar
debaixo das pedras 
que não têm, 

mas que abrigam:
vida.

Eu quero espionar
o verde musgo das briófitas
o desabrochar das borboletas
o cochichar dos bem-te-vis
a palavra voando fora da asa

o milagrar de flores

Eu quero atirar pedras no céu 
e acertar algum homem de pecado
que dizem ser santo

mas há um prédio no meio do caminho
arranhando o céu 
sem carinho
como um amontoado de pedras desperdiçadas
que sequer abrigam musgo

no meio do caminho há um prédio
que atrapalha minha visão
que tem nome de cidade europeia 
ou de um homem branco qualquer
que minhas retinas fatigadas

traduzem livremente:

Ed. Dr. Zé Ninguém 

Nunca esquecerei desse acontecimento...

Manoel de Barros me entenderia 
Carlos Drummond de Andrade também.